História

A arte de curar os animais é quase tão antiga quanto a arte de curar os seres humanos. A evolução da Medicina Veterinária no mundo tem a ver com as doenças dos animais que acabavam acometendo os homens, direta ou indiretamente. No Brasil, a economia local baseada no agronegócio foi e continua sendo fator propulsor para o desenvolvimento das atividades no país. Hoje, os trabalhos desempenhados por médicos veterinários vão muito além do cuidado com os animais. 

A MEDICINA VETERINÁRIA NO MUNDO 

Os primeiros métodos de diagnóstico, tratamento e prognóstico de animais tiveram início por volta de 4000 anos a. C., de acordo com o Papiro de Kahoun, descoberto no Egito, em 1890. Para alguns historiadores, o documento é considerado o primeiro tratado de veterinária. Os códigos de Eshn Unna (1900 a. C.) e de Hammurabi (1700 a.C.), ambos da Babilônia, também já mencionavam a remuneração e as responsabilidades atribuídas a "médicos dos animais".

Também contribuíram para o nascimento da veterinária os documentos produzidos por Aristoteles (384-322 a. C.), que concebeu a primeira classificação do reino animal e é o autor dos excelentes trabalhos: Geração Animal; Partes dos Animais e História dos Animais.

Na Europa, os primeiros registros sobre a prática da Medicina animal originam-se da Grécia, no século VI a.C. Em algumas cidades gregas havia cargos públicos para os que praticavam a cura dos animais. Esses profissionais eram chamados de hipiatras ou hippiatros. Eles tratavam de cavalos e também de outras espécies domésticas.

Já no mundo romano, os praticantes do diagnóstico, tratamento e prognóstico de animais já eram chamados de medicus veterinarius e a medicina de animais era a ars veterinaria.

Na era cristã, em meados do século VI, em Bizâncio, foi identificado um verdadeiro tratado enciclopédico chamado Hippiatrika. Compilado por diversos autores, tratava da criação dos animais e suas doenças, contendo 420 artigos, dos quais 121 escritos por Apsirtos, considerado o pai da Medicina veterinária no mundo ocidental. Entre os assuntos descritos por Apsirtos, merecem referência o mormo, a enfisema pulmonar, o tétano, as cólicas, as fraturas, a sangria com suas indicações e modalidades, as beberagens, os unguentos. Sua obra revela, enfim, domínio sobre o conhecimento prevalecente na prática hipiátrica da época.

Na Espanha, durante o reinado de Afonso V de Aragão (1396-1458), foram estabelecidos os princípios fundamentais de uma Medicina animal racional que geraram a criação do "Tribunal de Proto-albeiterado" pelos reis Fernando e Isabel, no qual eram examinados os candidatos ao cargo de "albeitar". Essa denominação deriva do mais famoso médico de animais espanhol, cujo nome de origem árabe era Eb-Ebb-Beithar. Na lingua portuguesa, o termo foi traduzido para "alveitar", sendo usado em 1810 para designar os veterinários práticos da cavalaria militar do Brasil Colônia.

Após a conquista de Constantinopla pelos turcos, em 1453, tanto a medicina humana quanto a Medicina Veterinária passaram por um processo de desaceleração, já que para a cristandade era pecado se preocupar com os corpos. A cultura da época dizia que o importante era cuidar da alma e, portanto, o sofrimento era exaltado e a doença, sagrada. Há registros da existência de grandes clínicas veterinárias no século XVI. Neste século, também foram publicados diversos tratados sobre doenças de animais. Mas pouco se sabe sobre o início da Medicina Veterinária na região de Constantinopla.

No século XVIII, fim da Idade Moderna e início da Idade Contemporânea, havia centros de formação profissional que careciam de base científica. Os profissionais que exerciam as atividades não tinham o preparo necessário para cuidar dos animais, que eram tratados com descaso.

As pessoas mais cultas e bem-informadas da época notavam a necessidade e reconheciam a importância do tratamento dos animais para o bem do homem. No entanto, a maioria da sociedade não via com bons olhos as atividades ligadas aos cuidados com animais e eram contra a criação de escolas de veterinária. As associações comerciais, entretanto, preocupadas com os prejuízos causados pelas doenças contagiosas dos animais que se espalhavam rapidamente, pensavam de modo diferente, ao mesmo tempo em que na França os enciclopedistas trabalhavam para remover os obstáculos que impediam o estudo científico das doenças dos animais.

Somente em 1761 a Medicina Veterinaria passou a ser uma profissão científica, por meio da criação da primeira Escola de Medicina Veterinária na França e no mundo, na cidade de Lyon. Claude Bourgelat era um advogado amante de cavalos que não se conformava com a ineficiência no tratamento empírico de seus cavalos de raça e, usando sua influência, convenceu o Rei Luiz XV a criar a Escola Veterinária de Lyon, que entrou em funcionamento em 1762.

Em 1766, surgiu a segunda escola de veterinária no mundo, a École Nationale Vétérinaire d'Alfort, também fundada por Bougerlat e em funcionamento até hoje, nos subúrbios de Paris. A partir de então, outros países da Europa começaram a criar as suas escolas. O segundo país foi a Austria, em 1768, seguido pela Itália, em 1769, Dinamarca, em 1773, Suécia, em 1775, Alemanha, em 1778, Hungria, em 1781, Inglaterra, em 1791 e, Espanha, em 1792. Ao final do século XVIII, eram 19 escolas de Medicina Veterinária em toda a Europa.

A MEDICINA VETERINÁRIA NO BRASIL

No Brasil, a Medicina Veterinária Científica completou seu primeiro centenário em 2010, apresentando hoje 107 anos. Mas também, não se pode desconsiderar os fatos que antecederam a sistematização da educação científica da Medicina Veterinária. Sendo assim, pode-se dividir a História da Medicina Veterinária no Brasil em quatro periodos: Período da Etnomedicina Veterinária; Período da Colonização; Período dos Reinados e Período Científico-Tecnológico.

ETNOMEDICINA VETERINÁRIA

Este período refere-se aos cuidados com a saúde na época em que homens primitivos viviam da caça, capturando e criando animais para coabitação, domesticação e conservação dos seus produtos. Cada cultura estabelecia suas próprias práticas e crenças para prevenir as doenças dos animais e torná-los próprios para a criação e consumo, assim a Medicina Veterinária empírica desenvolvida nesse período é conhecida em todo o mundo como etnomedicina veterinária.

Alguns documentos manuscritos de povos nativos do Brasil retratam o relacionamento dos nativos com a natureza, com a descoberta do uso de plantas para a cura de doenças.

COLONIZAÇÃO

O período de colonização tem como um dos seus principais fatos a entrada de algumas espécies de animais no Brasil, como por exemplo, equídeos, bovinos, ovinos, caprinos, suínos e aves. As condições ecológicas e climáticas favoreceram o aumento dos rebanhos. Os animais eram usados para alimentação e transporte, sendo comercializados nas pequenas cidades e vilas que surgiam.

REINADOS

Com as crises econômicas e políticas na Europa, no final do século XVIII e início do XIX, a família real portuguesa se viu forçada a mudar para o Brasil. A instalação da sede do Império no Rio de Janeiro trouxe avanços consideráveis não só para a Medicina Veterinária, como também para as áreas científicas e para a vida cultural do país. Até então, não existiam no Brasil bibliotecas, imprensa e ensino superior.

Durante os reinados de D João VI, D Pedro I e D. Pedro II, o país recebeu a visita de naturalistas, médicos, zoólogos e botânicos interessados em estudar a desconhecida natureza local. Percorrendo o litoral brasileiro ou até mesmo adentrando o interior do país, cientistas dedicavam-se a pesquisar nossa fauna, flora e costumes.

Os estrangeiros observavam entre os povos nativos o uso de substâncias minerais e vegetais encontradas na natureza e levavam esses elementos para farmacopeias de seus países de origem e outros lugares do mundo. Um dos elementos que despertaram especial interesse dos médicos veterinários foi o curare - produto resultante da manipulação de várias espécies de plantas, usado pelos índios nas atividades de pesca e da caça. Aplicado nas pontas das flechas, o veneno era capaz de paralisar músculos de pequenos e grandes animais. Atualmente, o medicamento continua sendo usado como relaxante muscular em cirurgias e para o transporte de animais, em clínicas e zoológicos.

As ciências agrárias já despertavam grande interesse a D Pedro II quando, viajando à França, em 1875, ele visitou a Escola Veterinária de Alfort e se impressionou com a instituição e com uma conferência ministrada pelo médico veterinário fisiologista Gabriel Constant Colin (1825-1896). Retornando, o imperador voltou ao Brasil com o desejo de criar uma instituição semelhante. D Pedro II foi o primeiro homem público a reconhecer a importância da formação de médicos veterinários qualificados e, portanto, a necessidade de uma organização de ensino científico sobre a Medicina Veterinária. Também na fase de D. Pedro II, iniciou-se uma grande evolução científica. Novas tecnologias criadas no período refletiram na Medicina Veterinária e na saúde pública, como foi o caso dos laboratórios implantados no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro.

PERÍODO CIENTÍFICO-TECNOLÓGICO

Somente no início do século XIX, já sob o regime republicano, que foram criadas as primeiras escolas de Medicina Veterinária do país. Em 1910, surgiram as instituições pioneiras do ensino da veterinária: a Escola de Veterinária do Exército, fundada pelo Decreto no 2.232, de 6 de janeiro, e a Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, criada pelo Decreto no 8.319, de 20 de outubro, ambas na cidade do Rio de Janeiro. As escolas, no entanto, só começaram suas atividades em 1914 e 1913, respectivamente.

A Escola de Veterinária do Exército foi fundada por esforços do capitão-médico João Muniz Barreto de Aragão (1874-1922) conhecido até os dias atuais como o Patrono da Veterinária Militar. O Brasil deve a Muniz de Aragão uma série de realizações de grande importância para a veterinária e a saúde pública. Exerceu atividades significativas para controlar doenças de manadas e tropas militares, dando destaque à Febre Aftosa e ao Mormo, doenças de cavalos que causavam grande preocupação ao Exército brasileiro.

A exportação de produtos de origem animal para a Europa, em conformidade com as exigências sanitárias dos países estrangeiros, foi grande impulsionadora para a sistematização do ensino da Medicina Veterinária no Brasil. Muniz de Aragão se esforçou para fundar o Centro de Ensino Veterinário, mas faltavam professores com conhecimento em Biologia e Patologia Animal. O general dr. Israel da Rocha, diretor de Saúde do Exército, contratou profissionais europeus, indicados pelo Instituto Pasteur, para auxiliarem Muniz de Aragão a fundar o ensino da Medicina Veterinária no Brasil. Outros grandes feitos de Muniz de Aragão foram: a criação do Serviço de Defesa Sanitária Animal para o Ministério da Agricultura; a fundação da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar; a distribuição de água potável para os batalhões em marcha, além de obras, trabalhos técnicos, teses e comissões e encargos militares.

Vale ressaltar que a pecuária e a exportação de produtos de origem animal tiveram grande importância para o nascimento da Medicina Veterinária científica no Brasil. Em 1911, mais uma escola de Medicina Veterinária foi instalada. Em Olinda (PE), a Congregação Beneditina Brasileira do Mosteiro de São Bento, por meio do abade D Pedro Roeser (1917-1929), criou uma instituição destinada ao ensino das ciências agrárias, ou seja, Agronomia e Veterinária. Eles utilizariam como padrão de ensino as clássicas escolas agrícolas da Alemanha, as "Landwirtschaft Hochschule". A escola de São Bento construiu também o primeiro hospital veterinário do país, em 1913.

Embora a escola de Olinda tenha sido criada depois das escolas do Rio, ela foi a primeira a formar um médico veterinário no Brasil o então farmacêutico Dionysio Meilli formado pela Faculdade de Medicina e Farmácia da Bahia.

As primeiras turmas de médicos veterinários brasileiros foram formadas em 1917, na Escola Veterinária do Exército (seis veterinários), fechada em 1937; na Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária (quatro veterinários), atual Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; e na Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária de São Bento, Olinda, PE (quatro veterinários).

O Brasil deu um grande exemplo aos outros países com a erradicação da peste bovina, considerada um dos piores males da humanidade. Enquanto o mundo levou mais de três séculos de campanha para erradicar a doença, o Brasil assim o fez em somente um ano de campanha sanitária, erradicando o único surto de peste bovina, no Estado de São Paulo, em 1921.

Em 1933, por meio do Decreto n° 23.133, do então presidente da República Getúlio Vargas, surge a regulamentação da Medicina Veterinária no Brasil. O decreto representou um grande marco na evolução da profissão no Brasil. Por mais de três décadas, foi ele que estabeleceu as condições e os campos de atuação para o exercício da Medicina Veterinária. Por esse motivo, a data de publicação do Decreto 23.133, 9 de setembro, foi escolhida para comemorar o Dia do Médico Veterinário, no Brasil.

O documento confere à própria classe as responsabilidades para a organização, direção e execução do ensino veterinário para os serviços referentes à defesa sanitária animal; inspeção dos estabelecimentos industriais de produtos animal, hospitais e policlínicas veterinárias; organização de congressos; representação oficial e peritagem em questões judiciais que envolvam apreciação sobre os estados dos animais; entre outras atividades.

O decreto também estabeleceu a obrigatoriedade do registro do diploma, o que começou a ser feito, a partir de 1940, pela Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário do Ministério da Agricultura, órgão igualmente responsável pela fiscalização do exercício profissional.

O próximo grande avanço da Medicina Veterinária no Brasil aconteceu em 23 de outubro de 1968, quando entrou em vigor a Lei no 5.517, de autoria do então deputado federal dr. Sadi Coube Bogado. A nova lei contemplou o exercício da Medicina Veterinária e, além disso, criou os Conselhos Federal e Regional de Medicina Veterinária, transferindo para a própria classe a função fiscalizadora do exercício profissional. Ao se comemorar o cinquentenário da primeira regulamentação da Medicina Veterinária no país, o Decreto no 23.133, de 1933, o Conselho Federal de Medicina Veterinária decidiu fundar a Academia Brasileira de Medicina Veterinária, uma entidade de natureza cultural, técnica, científica e sem fins lucrativos. A Academia foi criada por meio da Resolução nº 424, de 9 de setembro de 1983, que aprovou o anteprojeto do Estatuto da Academia, dando o passo inicial para seu funcionamento efetivo. Jadyr Vogel, um de seus fundadores, foi também eleito por unanimidade o primeiro presidente da Academia.

A partir de então, outras academias de Medicina Veterinária, em nível estadual foram criadas no Brasil. São elas: Academia Cearense de Medicina Veterinária, Academia Paranaense de Medicina Veterinária, Academia Baiana de Medicina Veterinária, Academia Pernambucana de Medicina Veterinária, Academia Rio Grandense de Medicina Veterinária, Academia de Medicina Veterinária do Estado do Rio de janeiro, Academia Alagoana de Medicina Veterinária, Academia Paulista de Medicina Veterinária, Academia de Medicina Veterinária do Estado do Piauí e a Academia Mineira de Medicina Veterinária.

REFERÊNCIAS:

  • CFMV. 45 Anos: Conselho Federal de Medicina Veterinária - Sistema CFMV/CRMVs. Brasília: In Press Oficina, 2013.
  • CFMV. Síntese da História da Medicina Veterinária. Disponível em:https://www.cfmv.gov.br/portal/historia.php Acesso em: 03 de março de 2017.
  • HADDAD, Ana Estela et al. A trajetória dos cursos de graduação na área da saúde: 1991-2004. Brasília : Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2006.
  • ​PIERANTONI, Celia Regina et al. Graduações em saúde no Brasil: 2000-2010. Rio de Janeiro: Cepesc: IMS/UERJ, 2012.


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